por Isa Oliveira
O famoso bordão “Uma imagem diz mais que mil palavras” traduz com exatidão as narrativas gráficas sem palavras ou sem balões. As publicações de Histórias em Quadrinhos sem balões ou textos de acompanhamento fornecem aos leitores a liberdade de interpretação da narrativa desenhada. Os processos editoriais de HQs sem palavras são consideradas por alguns quadrinistas como as mais desafiadoras, desde a criação até a impressão. Ao tentar traduzir em imagem as sequências que melhor expressam as ideias da mensagem a ser transmitida ou daquilo que deveria ser dito por um personagem, exige do artista um trabalho que envolva os elementos de expressão corporal, facial e gestuais. Além de domínio da cena para que a interpretação global possibilite ao leitor compreender a ambientação da história.
O fato de não traduzir em palavras as cenas dos quadros, remonta a uma clássica definição dada por Scott McCloud aos quadrinhos como “[...] imagens pictóricas e ou justapostas em sequência deliberada destinadas a transmitir informações e/ou a produzir uma resposta no espectador”. Nesta mesma linha, Thierry Groensteen, autor de O sistema dos quadrinhos, defende que há uma solidariedade icônica, onde as imagens se correlacionam e estabelecem relações de “diálogo” entre elas por meio dos quadros. E denomina de artologia a relação estabelecida entre todo o conjunto dos elementos contidos no espaço em que a HQ ocupa ou se apropria, e que se articulam entre si vinculadas ao mesmo espaço compartilhado.
Considerando as formas de representação de contar uma história por meio de imagens, a narrativa sequencial é uma arte cujo processo é tão primitivo como as pinturas rupestres, pinturas egípcias dentre outras. Na trajetória da cultura ocidental, a história de registros visuais através da imagem foi associada ao elemento verbal, do qual é considerado como marco no universo dos quadrinhos o aparecimento do Yellow Kid, na forma de histórias com legenda. Mas fato é, que as primeiras noções de quadrinhos inicia-se com as narrativas sem palavras ou textos incorporados.
O que essas narrativas sem balões nos instigam é que indiferente à presença do elemento verbal, seu processo editorial requer além dos sketchs e do espelho também necessita de um roteiro. Ou seja, ele não existe só para histórias com diálogos, pois é o roteiro que vai nortear o ordenamento dos quadros, em que momento o personagem ou determinada ação vai acontecer dentro da narrativa e como isso deve aparecer no requadro.
A arte sequencial tem nos presenteado com várias publicações em que a parte artística não sobrepõe à mensagem transmitida, boa parte das edições sem balões mostram histórias que impactam o leitor e até emocionam pela forma como ela é contada.
As onomatopeias podem ser consideradas textos? Para alguns é considerada um recurso gráfico, para outros elemento textual metafórico. Uma discussão a ser analisada dentro do recorte de HQs mudas. Até que ponto podemos chamá-las de mudas, sem som, se as onomatopeias são representações dos sons? Nas considerações gerais sobre o que é um quadrinho mudo, levo em conta aquelas publicações com ausência das onomatopeias e do elemento verbal. Histórias em Quadrinhos sem balões não significa necessariamente uma HQ muda, porque o termo mudo nos remete à noção ou ideia de ausência de som, então não pode haver presença das onomatopeias que são recursos gráficos, pois há situações que elas aparecem balonadas.
O que raramente se lê são histórias apenas narradas com imagens sequenciadas, pois em algum momento vai surgir uma onomatopeia como ocorre em Pétalas, de Gustavo Borges que apresentam-se dentro de balões; Sshhhh!, de Jason, pela editora Mino, ou um elemento textual inscrito dentro da imagem, como uma pichação de uma parede ou até de banco de praça, como aparece em Um pedaço de madeira e aço, de Christophe Chabouté, publicado pela editora Pipoca e Nanquim.
O quadrinista entrega ao leitor uma ou várias histórias que em sua maioria representam imagens sequenciadas que transmitem a noção de espaço, tempo e movimento, além de um enredo com uma mensagem final. A percepção do som, do movimento, do tempo acontece por meio da leitura entre um quadro e outro ou da própria cena com o personagem em ação.
Assim como a fotografia é um registro de um momento ou vários momentos em ação, mas o que ela representa é a imagem momentânea, de um instante, que nos nega a percepção do som. Enquanto nas HQs quando abdica-se das onomatopeias e das palavras dentro ou fora dos recursos como os balões temos uma narrativa que tem muito a nos revelar pelas imagens e muitas histórias a serem descortinadas que nos conduzem a outros elementos sensoriais pelo gesto de virar a página, o movimento do olhar no percurso dos requadros, o que nos faz sermos os próprios coautores daquela história, dar nome aos personagens, dar vozes que os representem, dar significados ou desfechos que só a imaginação nos permitiria em uma leitura visual.
ISA OLIVEIRA é doutoranda em Estudos de Linguagens - CEFET/MG e Pesquisadora em Histórias em Quadrinhos, Literatura e Processos Editoriais. Revisora, Resenhista e Poeta. Dirige as página Coruja das Letras no Facebook e isa_poetisa_coruja_das_letras no Instagram.
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