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Por um pouco de Aziz Ab'Sáber

Um grupo de leitores se reúne para discutir as obras Os domínios de natureza no Brasil e Brasil: paisagens de exceção em meio ao amplo debate midiático sobre as queimadas que assolaram a Amazônia entre agosto e setembro de 2019.

O que o grupo de leitores descobre com Aziz Ab'Sáber, você fica sabendo neste folheto que inaugura o ano de 2020 para a {voz da literatura}.



Clube de leitura, não. Grupo de leitores, sim. Às vezes, comunidade de leitores. Era com esse espírito crítico que um grupo de 10 jovens graduandos, das mais diversas áreas, vem se reunindo há pouco mais de um ano na cidade de S.

A princípio, os estudantes planejaram o grupo para reuniões semanais, mas se tornou inviável dar conta de uma boa leitura em pouco tempo, tendo de conciliar com tantas outras tarefas da faculdade. Combinaram reuniões quinzenais. E o grupo começou a funcionar melhor.


No início de agosto, no calor do debate e das chamas da Amazônia, decidiram olhar para o Brasil em diferente perspectiva, fugindo um pouco das leituras literárias que haviam feito até o momento. Após algumas sugestões de leitura, concordaram com as indicações trazidas por F. Leriam para setembro dois livros do geógrafo Aziz Ab’Sáber: Os domínios de natureza no Brasil e Brasil: paisagens de exceção. Houve certo consenso de que os livros agregariam na análise de outras obras que o grupo pretendia discutir.




No Whatsapp, os integrantes do grupo motivavam os demais com pequenas discussões. Um postou uma imagem da Nasa, que mostra parte da Amazônia em chamas. Outro compartilhou fala do J. B. acusando ongs pelos incêndios na floresta. Provocativamente, N. mencionou a acusação de Emmanuel Macron de um "ecocídio", mas logo confrontou o presidente francês postando uma foto que compara as primeiras-damas do Brasil e da França. Ninguém do grupo se manifestou sobre a postagem.


Diante do alvissareiro encontro do grupo para o compartilhamento de leituras do primeiro livro escolhido para setembro, J. divulgou notícia de que o Ministro do Meio Ambiente, sem qualquer dado concreto, afirmava que havia uma tendência de controle das queimadas que colocaram o Brasil na pauta da imprensa mundial. G. colocou um emoji de óculos, imitando um c.d.f, para dizer que o livro de Ab'Sáber ia bater de frente com o desconhecimento do Brasil manifestado por aqueles que se dizem verde-amarelos ou patriotas, apaixonados pela "pátria amada Brasil".


Fato sem importância é mencionar que N. não pôde ler o livro e preferiu assistir a uma resenha de dez minutos de um booktuber que esperava enriquecer fazendo seus vídeos semanais. N. se passou como tivesse dado conta da tarefa de ler as 150 páginas de Ab'Sáber.


F. , na reunião do grupo para um diálogo construtitvo sobre Os domínios de natureza no Brasil, foi responsável por sumariar o perfil intelectual de Aziz Ab'Sáber:

- Seu nome é em razão de ser filho de libanês com brasileira. Nascido em São Luís de Paraitinga, foi um dos maiores geógrafos físicos do Brasil, reconhecido aqui e no exterior. Percorreu o país para desvendar a formação natural e cultural das paisagens brasileiras. Foi professor da USP. É lembrado pelos seis domínios morfoclimáticos e fitogeográficos que esboçou para o Brasil em seus estudos. Com forte espírito de militância político em prol de comunidades mais vulneráveis socialmente, posicionou-se contrário ao Código Florestal e propunha mais: um Código da Biodiversidade. Nesse sentido, é que defendia o papel relevante da educação ambiental...


F., sensível ao que pesquisara a respeito de Aziz, destacou que o geógrafo aprendeu a ler paisagens pela Geografia. Foi também presidente de honra da SBPC (...)... Enfim, concluiu F., Aziz reunia em si não apenas o conhecimento técnico de sua ciência, mas um senso raro de humanidade, que falta a muitos no Brasil de hoje. Ab'Sáber faleceu em 16 de março de 2012, aos 87 anos, em decorrência de um infarto. Uma curiosidade: é pai do psicanalista Tales Ab'Saber.


Na dinâmica do grupo, para a leitura e o debate de Os domínios de Natureza no Brasil, os integrantes dividiram os capítulo 2 a 9 entre eles, dando pouco mais de dez minutos para que cada um fizesse sua exposição sobre os domínios morfoclimáticos do Brasil: Amazônico, Cerrado, Mares de Morros, Caatingas, Araucárias, Pradarias e as Faixas de Transição.Os debates foram calorosos, especialmente quanto ao problema das ações antrópicas nos domínios naturais de nosso país, levantando os problemas da dialética entre desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente.


A Amazônia tomou, facilmente, o centro dos debates, pelo calor do momento. Primeiro, F. indicou que, segundo Ab'Sáber, a Amazônia Brasileira é um macrodomínio. Lendo um trecho da obra, F. sublinhou também como Ab'Sáber valoriza "o saber" das comunidades ribeirinhas da Amazônia, que muito contribui para a compreensão daquele macrodomínio:


- "Os critérios embutidos nas classificações populares dos componentes de drenagem amazônica têm valor científico. O povo da Amazônia reconhece tipos de rios pela cor da águas, pela ordem de grandeza dos cursos d'água, por sua largura, volume e posição fisiográfica, assim como pelo sentido, continuidade e duplicidade da correnteza." E aí Ab'Sáber faz uma interessante exposição sobre as águas amazônicas: rios negros, brancos, furos, igarapés.


- A gente pensava que ia encontrar nada de literatura, mas nesse ponto, F., nosso autor lembra que... vou ler: "Ninguém melhor do que Euclides da Cunha conseguiu fixar o drama dos habitantes da beira dos igarapés., tal como está gravado em seus escritos, como o Judas Asverus, de À Margem da História. - intervenção de G.


- Outra advertência de Ab' Sáber: "(...) Convém não esquecermos que vivem atualmente na Amazônia um quarto de milhão de índios - diferenciados por fatores linguísticos e por diversos níveis de contato e aculturação; quatro milhões de seringueiros, beiradeiros e castanheiros; 350 mil garimpeiros; cinco milhões de trabalhadores braçais, funcionários e peões seminômades; além de alguns milhões de habitantes urbanos, de diferentes níveis sociais e culturais. Enfim, um espaço com gente e história." Isso me faz lembrar o que Euclides diz no início de À margem da história. Essa é uma parte do humanismo que falta aos se pensar a Amazônia. Pôr a perigo a floresta é pôr a perigo milhões de brasileiros... - refletiu Z.


- É, a discussão tá rendendo. Acho que vamos passar do horário hoje, hein? - apostou N., inquieto, olhando para o relógio no pulso direito.


A maior parte do tempo foi dedicado ao macrodomínio amazônico, mas ainda sobraram alguns minutos para explorar o capítulo 6 - "Caatingas: o domínio dos sertões secos." Um tempo menor foi dedicado aos Planaltos de Araucárias e Pradarias Mistas, bem como ao Cerrado.


- Não seria nada mal que nosso grupo, de tempos em tempos, retomasse a leitura de Aziz Ab'Saber para explorar obras literárias que, direta ou indiretamente, ajudem a ler o Brasil também por sua perspectiva geomorfológica. - emendou J, antes de finalizar a reunião.


Para o início de outubro, o grupo discutiria Paisagens de exceção, mas pretendia convidar um geógrafo para participar do debate e mediar as discussões, por notarem que vários termos técnicos mereciam a voz de alguém especialista na área. ***

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