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BRASIS | Os demônios estão por aí, espíritos ruins também

Atualizado: 10 de ago. de 2018

por Devair Antônio Fiorotti


Quando chegamos, existiam cerca de cinco milhões de indígenas no Brasil, falando em torno de 1500 línguas. Sim, 1500. Hoje não chegamos a 200 línguas indígenas faladas no Brasil e pouco mais de 800 mil habitantes. O que os povos indígenas sofreram e vêm sofrendo chama-se genocídio. Nesse exato momento em que se lê esse texto, só para exemplificar, indígenas guarani kaiowá estão sendo vítimas da força e ganância humana, como há 500 anos.



{Lara, criança Macuxi | Foto: Devair Fiorotti.}


As evidências levam a crer que cada povo desse existente ou que existiu possuía suas artes verbais, performances artísticas, modos de se relacionar com a linguagem. O que nós fizemos e estamos fazendo para conhecer tais artes? Na área de Letras, em que me incluo, praticamente nada, com raras exceções. A nossa relação com o belo nas letras sempre foi e ainda está acoplada à palavra escrita e a construções culturais de poder, na quase totalidade, o que muitos chamam de cânone. O interesse efetivo de quem usufrui a literatura dita nacional está bem visível em estudos de representação das minorias, por exemplo.


Impomos um silenciamento e genocídio cultural ainda em curso aos povos indígenas. As artes verbais desses povos estão sofrendo mudanças bruscas para aqueles que optaram ou não tiveram escolha de viver em contato com nós (outros). Essas mudanças, do ponto de vista do respeito às diferenças e de suas possibilidades de existência humana, representam uma perda muito grande, pois nós não conseguimos registrar praticamente nada efetivamente dessas possibilidades de artes verbais, centenas, talvez milhares de formas já se foram definitivamente sem registro algum e estão em curso nesse exato momento a morte de centenas dessas formas.


Talvez mais do que nunca um canto macuxi diz da necessidade de eles serem fortes e ensinarem a nós um pouco mais de humanidade:


makuipeman taa tanne

iripeman taa tanne

ekonekakîn sîrîrî

epîremakîn sîrîrî

kesera’pe e’to’pe

ekonekakîn sîrîrî

[os demônios estão por aí

espíritos ruins também

continuarei forte

sendo a mesma maniva]*



 

* Dados do meu projeto Panton Pia', tradução minha e de Terêncio Luiz Silva.


{n. 4 | agosto | 2018}

 


{DEVAIR ANTÔNIO FIOROTTI é professor de literatura na Universidade Federal de Roraima.}

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