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O lugar das ilustrações no ensino da literatura infantil

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  • há 2 dias
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*Eurico C. Belo Caiúve



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As ilustrações fazem parte dos elementos constitutivos da literatura infantil. Elas servem de reforço semiológico e de demonstração imagética do texto escrito. O lexema “ilustração” vem do latim, “illustratio, -onis”; que significa(va) “acto de esclarecer, elucidar, tornar claro, e demonstrar”. É um vocábulo derivado do verbo latino “illustrare”, que significa(va) “iluminar ou tornar brilhante” uma determinada ideia. Todas estas proposições semânticas fazem-nos lembrar dos relatos das Santas Escrituras, em especial na parte dos evangelhos, onde as parábolas usadas por Jesus Cristo para esclarecer pontos espirituais importantes, são chamadas de ilustrações. Por isso, o livro Estudo Perspicaz das Escrituras (1991) diz que a palavra “ilustração abrange ampla gama de significados que pode incluir parábola, e, em muitos casos, provérbio”(Estudo Perspicaz das Escrituras, 1991, p. 371). Logo, é bom sinalizarmos que as palavras “ilustração e ilustrar” são polissémicas.


Todavia, a carga semântica das palavras evolui, e a verdadeira significação delas é atestada em função do seu uso contextual. No contexto literário contemporâneo, as ilustrações, geralmente, remetem para os objectos ou formas visuais gráficas que auxiliam os textos. Portanto, é correcto dizer-se que a etimologia da palavra “ilustração” está intimamente relacionada à ideia de tornar algo mais claro, mais lógico, mais evidente ou mais compreensível; seja através de explicações, exemplos, problematização, parábolas ou imagens.


Hodiernamente, na configuração material dos livros literários, as ilustrações são recursos visuais que traduzem as palavras e as acções da ficção, em objectos concretos intelegíveis. O valor delas é sublime no processo de ensino e de aprendizagem das crianças, em qualquer ambiente e ciência. Isto sucede porque a criança, nos seus primeiros anos de vida, é mais visual que leitora. Logo, ela é facilmente cativada pela cor, pelos desenhos, pela textura e pelas formas dos objectos. O que faz com que a nível editorial, as ilustrações se tornem indispensáveis na produção de obras de potenciais leitores infantis, em todo mundo. Todavia, este facto estético traz consigo questionamentos legítimos a nivel da didáctica e do manuseio exploratório das ilustrações, no decurso do ensino da literatura infantil, na sala de aula. Portanto, este artigo visa responder as seguintes questões esquadrinhadoras: Qual é o lugar das ilustrações na literatura infantil? Por que é que a obra literária infantil é/deve ser ilustrada? Como é que as ilustrações devem ser exploradas no processamento do ensino e aprendizagem da literatura infantil? 


Qual é o lugar das ilustrações na literatura infantil?


Antes de tudo, é bom que se entenda que as ilustrações, por serem imagens, possuem tipologias diferentes. Elas não são todas iguais. Sendo assim, naturalmente, não carregam a mesma finalidade estética, muito menos a mesma finalidade simbólica.


Nominalmente, a ilustração pode ser Artística, Histórica, de Quadrinhos, em Grafite, Caricatura, Infográficas(cos), Digital, ou Editorial. É sobre esta última que esta investigação se debruça. O experiente ilustrador brasileiro Luís Camargo, na obra Ilustração do Livro Infantil (1995), define ilustração como sendo “toda imagem que acompanha um texto. Podendo ser um desenho, uma pintura, uma fotografia, um gráfico, etc.” (CAMARGO, 1995, p. 16). Porquê? Porque as imagens, desenhos, tracejados, ou as fotografias que acompanham um texto numa obra física ou digital resultam de um trabalho colaborativo de edição. Onde são mobilizados os trabalhos do escritor/autor, do editor e do ilustrador. Logo, por mais que a nossa área de atenção seja a literária. Ainda assim, depreende-se que as ilustrações não são uma realidade exclusiva da literatura.


Sendo assim, por mais que o valor das ilustrações, no que toca a realidade existencial da literatura infantil, seja um dado adquirido e incontornável. Ainda assim, é importante que os estudantes das áreas das artes e letras, junto com todos os mediadores de ensino primário, mais as comunidades interpretativas, entendam que a ilustração não é literatura. Por que é que não é? Porque as imagens não têm literariedade. Os desenhos gráficos, as fotografias, os rabiscos, as vinhetas, ou outros elementos icónico-sígnicos representativos, sejam eles realistas ou abstratos, são simplesmente elementos de acabamentos ou acompanhamento editorial. A literatura expressa, é por excelência, o texto estético escrito que resulta de um espírito criador. Por este facto, O pesquisador Carlos Ceia (2002) defendia que a existência da literatura baseava-se na linguagem da literatura. Não na linguagem das imagens icónicas. Sendo assim, “o literário não é negociavel, não se determina por decreto nem é representável em formato de lei” (CEIA, 2002, p. 47).


No ambiente literário, o trabalho do ilustrador é secundário. É de dependência interpretativa e de maximização. Ou, dito metaforicamente, é um trabalho de tradução das acções ou das palavras presentes no artefacto estético. Tanto é assim, que a obra escrita pode subsistir singularmente sem ilustrações. Não são as imagens que definem a sua “validação institucional” (REIS, 2008, p. 29). Queremos, com isto, dizer que na literatura infantil, as ilustrações só existem por causa do texto. Não o contrário.


É claro que sem as ilustrações, o trabalho interpretativo da criança é redobrado. Porém, ao nível da substância interna, a mensagem nela contida permanece a mesma. Isto porque, o objecto de estudo da literatura, que é a literariedade, não depende das imagens. Mas da linguagem literária, que serve de base existencial do “sistema semiótico literário” (SILVA, 2002, p. 43). Isto sem mencionarmos que a figuração das ilustrações, quanto feitas, seguindo totalmente o texto ficcional, em muitos momentos, retira a opacidade literária necessária para a efectivação de exercícios de interpretação dos quadros mentais carregados pelos lexemas figurados. Além disso, no rigor, a verdade é que a literatura infantil é de passagem, não de permanência. O crescimento intelectual e físico vai dispensando aos poucos a atratividade dos recursos visuais, quando o assunto é ler e deleitar-se sobre o pensamento literário mais apurado.  


Contudo, pensando nas crianças, no seu processo de crescimento e maturação cognitivas, adoptou-se o modismo de ilustrar a literatura escrita para elas, como forma de reforçar, maximizar e representar a semântica objectiva e literal da cadência do texto. Isso acontece, visando melhorar a compreensão da criança, no acto de contacto com o objecto literário. Sendo assim, o lugar das ilustrações na literatura infantil é verdadeiramente secundário. A parte primária está reservada à mensagem plurissignificativa presente semiologicamente no composto grafemático do tecido textual. É nele, onde se cumpre a aplicação directa dos protocolos de leitura da obra literária.


A personagem desenhada ilustrativamente, vive no texto; o contexto ilustrado, está presente no texto; a cor, os gestos, a acção, a postura, etc. e outros elementos representáveis, estão aglutinados ao texto. Na literatura tudo depende do texto escrito. Porque o lexema literatura, advindo do vocábulo latino “littera”, significa letra, ou escrita (SILVA, 2002). É por isso que tudo que não está escrito, mas apresenta linguagem, filosofia, sabedoria, e pensamento estético, chama-se tradição oral, ou oratura. Isto sucede para diferenciar com a literatura; visto que esta, está assente na escrita. Além disso, não podemos ser inocentes quanto ao facto de que as ilustrações, hoje em dia, demandam também uma finalidade estética de Marketing, para a venda de livros infantis. Portanto, as ilustrações são valiosas, mas são de consequência, não de essência do pensamento literário.    


 Por que é que a obra literária infantil deve ser ilustrada?

Quando analisamos, ao pormenor, diferentes obras literárias infantis, desde os títulos mais clássicos ocidentais, até aos contemporâneos orientais, chegamos a conclusão de que a obra literária infantil têm vindo a ser cada vez mais ilustrada, por pelo menos três motivos: primeiro, para compensar a falta de competência leitora das crianças; segundo, para criar atratividade aos potenciais leitores infantis; terceiro, para diferenciar materialmente a literatura para a infância, da literatura feita para um corpo de leitores mais adulto. Como chegamos a esta conclusão?


Quando ao primeiro motivo, os investigadores Fernando Azevedo e Cristina da Silva (2022) fazem-nos entender que a literatura de recepção infantil incorpora frequentemente uma componente icónica, que dialoga e interage signicamente com o texto verbal. Mais do que mera ilustração, esta componente icónica, na medida em que supõe uma leitura simultaneamente intelectual, emocional e visual, constitui um elemento susceptível de auxiliar decisivamente o leitor a participar cooperativamente no texto escrito e a transformá-lo interpretativamente de acordo com as suas experiências (AZEVEDO & SILVA, 2022, p. 42). Além desta fonte, no artigo “A ilustração dos livros infantis: um recurso essencial na formação do leitor” (2010), Fernando Ferreira Pantoja e seus pares ensinam o seguinte: “o leitor iniciante [a criança] prefere fazer a leitura de uma obra com textos pequenos e que apresente ilustrações, em vez daquelas que exclusivamente utilizam o código escrito [por exigirem mais da mente]. Sendo assim, acredita-se que a ilustração é um elemento imprescindível em obras destinadas ao público infantil e infanto juvenil” (PANTOJA et. all, 2010, p. 2). Portanto, as ilustrações tornaram-se pragmáticas na literatura infantil para auxiliar na compreensão da classe infantil. O que traduz, no caso da criança, geralmente, a existência de uma capacidade leitora inferior ao do indivíduo adulto.


Relativamente ao segundo motivo, que é o de criar atratividade, as ensaístas Myllena Rodrigues Nunes e Priscila Silva Gomes (2012) defendem que “nos livros literários infantis, as ilustrações funcionam como elemento enriquecedor das obras, sendo um aspecto visual que tanto atrai as crianças pela sua beleza quanto ajuda a contar a história, não devendo, portanto, ser menosprezadas pelos mediadores de leitura” (NUNES & GOMES, 2012, p. 1). Se a ilustração atrai, logo, ela convida e cativa à criança para a compra, para a posse material do livro, e certamente também para a sua leitura. Logo, as ilustrações, por mais que emerjam da dialéctica da susbtância do texto, ainda assim, editorialmente, pode-se alterá-las, melhorá-las, ou exagerá-las. Tornando-as, não só num conjunto de sígnos gráficos que traduzem as mensagens escritas em formas e objectos, mas, sobretudo, num chamariz visual que toca o gosto estético e cultural da criança. Por isso, corroboramos com a pesquisadora Cláudia Mota quando defende que a ilustração cria uma “sedução no leitor através da imagem” (MOTA, 2016, p. 154).


Sobre o terceiro motivo, que remete o uso delas na perspectiva de diferenciação material da literatura para a infância da literatura feita para um corpo de leitores mais adulto, num estudo interessante, de diferenciação entre literatura infantil e a de proposição leitora adulta, o investigador Eurico Belo (2023) explicava o seguinte: “A literatura infantil difere pontualmente da literatura adulta em pelo menos quatro dimensões: o nível da linguagem; o tamanho da obra; a proposição, ou finalidade moral; e a recorrente aparição conjunta de vocábulos e imagens” (BELO, 2023, p. 21). Portanto, as ilustrações, actualmente, quando presentes numa obra, geralmente, remetem-na para o âmbito dialéctico da literatura infantil. Logo, ela constitui um elemento de identidade diferenciadora das outras formas de literatura. Assim, as ilustrações já não resvalam para a um estado de moda, mas para um estado de marca. É o que está convencionado dentro do sistema literário, filiado aos potenciais leitores infantis.


Como é que as ilustrações devem ser exploradas no processamento do ensino e aprendizagem da literatura infantil? 


Comumente, as obras mais recheadas de ilustrações são as narrativas. E não é por menos: visto que a narrativa concretiza-se por intermédio da acção, das personagens, do tempo, do espaço, e o do narrador. E cada um destes elementos que categorizam as narrativas são passíveis de uma representação desenhada ou fotografada. A descrição ilustrada se tornou num excelente recurso para elas. Logo, se esta é a realidade, no processamento do ensino da literatura infantil é necessário que o mediador, além de explorar o simbolismo escrito, agregue nas suas actividades exegéticas, premissas didácticas de exploração das imagens. Como é que isso deve ser feito?


A exploração das ilustrações, na desenvoltura do ensino da literatura infantil, deve ser feita de cinco maneiras: primeira, de maneira paralela. Isto é, para dar seguimento, enquadramento, entendimento, e amplitude à leitura que está sendo processada; segunda,  de maneira isolada e crítica. Isto é, para dar ênfase aos momentos da narrativa representados no texto escrito e que traduzem a ideação principal ou referente aos objectivos instrucionais. Ou quando certa imagem ou imagens são isoladas e trazidas à aula para a apreciação, ensino, moralização e debate; terceiro, de maneira artística. Isto é, quando a imagem ilustrativa serve de artefacto para a pintura, recorte e colagem; quarto, de maneira estruturada, para a passagem do conhecimento das formas naturais e abstratas das coisas, seres e objectos; quinto, para o processamento do lúdico. Isto é, para ensinar as crianças, brincando, partindo de algum acto apresentado na obra literária.


 

    Eurico Cambanda Belo Caiúve é doutorando em Estudos Portugueses, na Especialidade de Literatura Portuguesa, pela Universidade Aberta, Portugal; é Mestre em Estudos Lusófonos, pela Universidade da Beira Interior, Portugal; e é Licenciado em Linguística do Português, pela Universidade Katyavala Bwila, Angola. É prosador e poeta. Com as seguintes obras publicadas: Meditações para uma Vida Sábia (2018), Drama no Altar: Um conto à Moda Mwangolé (2018), e Poemas para o Sol (2018). Possui uma vasta crítica literária presente no Jornal Angolano de Cultura e Letras. Lecciona no Instituto Superior de Ciências da Educação de Benguela, em Angola, as cadeiras de Literatura Infantil e Teoria da Literatura. Email: euricobelo007@gmail.com.  



 


Referências

AZEVEDO, Fernando & SILVA, Cristina. Didáctica da Língua Portuguesa e da Literatura Infantil.  Programa Nacional de Formação e Gestão de Pessoal Docente. Luanda e Minho. 2022.

BELO-CAIÚVE, E.C. “Entre os dédalos e travessas do ensino da literatura infantil: Quatro lições necessárias para o aspirante a professor primário”. In: Jornal Angolano de Artes e Letras | Quarta-feira, 13 de Setembro. Luanda, Angola. 2023. pp. 20-23.

CAMARGO, Luís.  Ilustração do Livro Infantil. Minas Gerais: Editora lê. 1995.

CEIA, Carlos. O Que é ser Professor de Literatura. Lisboa: Colibri. 2002. 

MOTA, Cláudia. (2016). Viagem exploradora pela atual literatura infantil. Porto: Tropelias & Companhia. 2016.

NUNES, Myllena e & GOMES, Priscila.  A importância das ilustrações na literatura infantil e a necessidade de formação de leitores de imagens. 2011.

 PANTOJA, Fernando; MORANDA, Joscilene; GONÇALVES, Shirlene; & GONÇALVES, Valdenice. A ilustração dos livros infantis: um recurso essencial na formação do leitor. Universidade Federal do Amapá: UNIFAP.  2010. 

REIS, Carlos. O conhecimento da Literatura: Introdução aos Estudos Literários. Coimbra: Almedia. 2008.

SILVA, Aguiar. Teoria da Literatura. Coimbra: Almedina. 2002.

WATCHTOWER BIBLE AND TRACT SOCIETY OF NEW YORK, INC. Brooklyn, New York, U.S.A. Estudo Perspicaz das Escrituras. 1991.

 
 
 

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