A editora Kapulana acaba de lançar O pátio das sombras, de Mia Couto, com ilustrações de Malangatana. O livro faz parte da série “Contos de Moçambique”, que conta com outros nove volumes de diversos escritores moçambicanos.
Mia Couto, em depoimento para a obra, explica a razão de haver escolhido uma história da tradição oral moçambicana acerca da dialética entre a vida e a morte: “Este conto maconde foi a história escolhida por mim como base do conto que intitulei ‘O Pátio das Sombras’ por ser um conto muito sugestivo. Através dele podemos ver que os mortos, quando lembrados, não chegam nunca a morrer [...] Do ponto de vista formal, pensei que seria bom criar um clima de mistério e introduzir um núcleo de conflito que se adensaria para, no final, se resolver de forma positiva”.
A seguir, compartilhamos com os leitores da {voz da literatura} o trecho inicial de O pátio das sombras:
– Venha avó, venha ajudar-nos no campo!
– Não posso, meus filhos, hoje sinto muito a cabeça.
– Fica numa sombra, toda sentadinha.
– Vão vocês, eu fico por aqui.
E a aldeia toda saiu para o trabalho das colheitas. Era preciso colher toda a produção para impedir que os macacos e os porcos selvagens atacassem a machamba. Um dos netos se ofereceu para ficar a fazer companhia à avó.
– Eu fico consigo, vovó.
– Não fique. Vá aprender a trabalhar a terra.
O moço, obediente, já se afastava quando a avó o chamou.
– Meu neto, chegue aqui. O que é isso que tem no braço?
– É uma pulseira, avó. Apanhei ali, junto da fogueira.
– Dê-me isso de volta.
– Por que avó? Fui eu que achei...
– Essa pulseira pertencia a seu pai.
Um arrepio atravessou o menino. Há muito que o pai tinha morrido. Esse arrepio o fez repensar. E ele estendeu o pulso para que a avó lhe retirasse o enfeite. O menino dirigiu-se, depois, para a machamba intrigado de como aquela pulseira viera ali ter. Na horta, o mandaram ensacar os pés de milho.
De súbito, todos os camponeses suspenderam o trabalho: estranhos ruídos de festa vinham lá da aldeia. Admiraram-se: teriam recebido visitantes? E mandaram a criança ver o que se passava. Já perto de casa, o menino viu vultos e escutou ruídos e risos. Mas os vultos, como fugitivas sombras, escaparam-se entre as árvores da floresta. Encontrou a avó sentada na berma que protegia a entrada do poço de onde retiravam água. (...)
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