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O mais do mesmo: Botnaro autor de Bolsonaro

Resenha de Minha Luta: Obra Reunida, de Messias Botnaro. Editora Cousa, 2020.


por Lucimar Simon

O primeiro e o segundo livros de Messias Botnaro (nome que assina os textos de autor que não deseja ser identificado), Tuítes póstumos de um herói nacional (Alliance for Brazil Press, 2020) e A guerra da cloroquina contra o comunavírus chinês (Parallel Brasilien Verlag, 2020), publicados originalmente em e-books independentes (de editoras fictícias), foram reunidos e publicados pela editora capixaba Cousa, em dezembro de 2020, com o título Minha Luta: Obra Reunida.


O volume inclui uma série de paratextos, de autores do porte de Ricardo Lísias, Ronald Augusto, Rodrigo Casarin e Joanim Pepperoni, além de professores universitários como Eduardo Vicentini de Medeiros (UFSM), Junia Zaidan (Ufes) e Vitor Cei (Ufes). Com projeto gráfico impecável da artista plástica e designer Leidijane Rolim, o livro foi ilustrado com cybercharges de Marcio Vaccari.


O primeiro livro, Tuítes póstumos de um herói nacional, lançado no dia 31 de março de 2020, foi divulgado via internet e se espalhou pelas redes sociais, apresentando ao público o autor até então desconhecido. Em poucos dias o texto estava sendo lido e comentado por diversos escritores, críticos e leitores entusiasmados que indagavam a autoria por trás do nome que assina a obra.


Apresentando-se como defunto autor, Messias afirma ser o primeiro escritor brasileiro a morrer por complicações causadas pelo coronavírus. O livro narrado em primeira pessoa oferece um compilado de tuítes do Presidente da República, filhos e ministros, remixados a intertextos com o noticiário político, a literatura e a filosofia.


A guerra da cloroquina contra o comunavírus chinês acompanha o mesmo caminho e procedimento de divulgação e circulação do primeiro livro e, tão imediato também chegou aos diversos leitores. Nele percebemos uma continuação da saga do autonomeado “herói nacional”, agora lutando contra o que ele chama de “comunavírus”, o “vírus chinês” que o teria levado precocemente à morte, por ter usado como principal arma um composto químico à base de cloroquina.



A obra reunida e intitulada Minha Luta concretizou-se através de uma parceria com a Editora Cousa. Com os esforços de um autor defunto, editores, ilustradores, comentadores e leitores de Messias Botnaro, a obra reunida ganhou corpo e foi consolidada e impressa. Sua primeira edição foi publicada em dezembro de 2020 e sua primeira impressão esgotou durante o lançamento.


Por que afirmamos que esta resenha é o mais do mesmo? Porque a escrita não criativa de Botnaro se apropria de textos preexistentes que, ao serem copiados, colados e remixados, trocam seu valor de uso político pelo valor estético. Nesse sentido, ele se autodenomina como um “gênio não original”, expressão cunhada por Marjorie Perloff para designar o autor que prescinde de material novo para compor suas obras, voltando-se para apropriações, citações, enxertos, remixes etc.


E porque esta não é a primeira nem a única resenha sobre os escritos de Messias Botnaro. Dentre outras já realizadas, destacamos a intitulada – “Botnaro: presidente vira escritor após morrer de coronavírus em livro”, publicada por Matheus Bastos em 08 de abril de 2020 no site Gambiarra Cultural. Na loja virtual da Amazon, onde está disponível a versão para Kindle de Tuítes póstumos de um herói nacional, podemos encontrar a seguinte descrição: “Messias Botnaro, seguindo a tradição do realismo que descreve cenas cruéis, retrata a saga de um país em frangalhos. Seus tuítes póstumos adotam a opção estilística que Schopenhauer, em sua metafísica do belo, denomina ‘estimulante negativo’, definido como a técnica que o artista emprega para atingir rápida e diretamente a sensibilidade do espectador, sem cuidado com ela, valendo-se de cenas repugnantes. O narrador não preserva a sensibilidade do espectador. O que desde logo prende atenção em Tuítes póstumos de um herói nacional é a poderosa coexistência do fato e do fantástico, do documental e do ficcional. Esperamos que a experiência estética com a leitura represente alguma ruptura ou pelo menos renovação no modo como você, leitor, percebe a política do nosso país”.


Em dezembro de 2020, a Revista Odisseia, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, publicou o “Diálogo inimaginável sobre a catástrofe brasileira: sátira literária”, com autoria de Ricardo Lísias, Gabriel Nascimento, Messias Botnaro e Joanim Pepperoni. E já no resumo percebemos a impossibilidade de encarar o assunto com seriedade: “Embora o tom desejado da matéria fosse, inicialmente, o acadêmico, de acordo com os princípios internacionais de conduta e prática editorial, os escritores enveredaram pelos caminhos da galhofa e do humor, de modo que o texto final embaralha as fronteiras entre ficção e realidade, assumindo contornos satíricos”.


O mais interessante é que todas as coisas que as leituras propostas por Messias Botnaro suscitam não se esgotam em sua obra reunida, tamanho é o poder de produção de materiais grotescos que tem o presidente Jair Messias Bolsonaro, principal fonte de inspiração do defunto-autor. Ainda bem que não finalizamos esta resenha antes dos últimos episódios envolvendo o desgoverno de Bolsonaro e, agora, em tempo, podemos acrescentar milhares de latas de leite condensado que são objetos de suspeita de corrupção e foram usadas em mais uma ofensa do Presidente contra a imprensa nacional.


O que Messias Botnaro faz com sua escrita é descortinar a última fronteira de realidade para além do desgoverno de Bolsonaro e, de maneira irreverente e satírica apresentar além do grotesco todo o abismo sepulcral para onde estamos sendo conduzidos aos galopes pelo desgoverno Bolsonaro.


Messias Botnaro apresenta o lado mais perverso e obscuro de uma das figuras mais grotescas da política brasileira através de seus próprios discursos com características necropolíticas. Para fora das linhas escritas por Botnaro podemos compreender a realidade brasileira quando nos atualizamos com as palestras e escritos de João Cezar de Castro Rocha que, entre outros termos, apresenta também o de “Guerra Cultural” como o principal eixo de resistência do desgoverno Bolsonaro.


A obra transmidiática de Messias Botnaro sai dos livros para as redes sociais – e vice-versa. O leitor-internauta pode conferir um pouco mais de suas peripécias em perfis no Instagram, Facebook e Twitter, local de nascimento do autor em janeiro de 2020. Nessas redes, o defunto autor irreverente e boca solta interage com outros escritores, como Ricardo Lísias, e dialoga com leitores e críticos com singularidade ímpar.


Ao fim desta resenha, deixamos para os nossos leitores a mesma pergunta que fizemos para Messias Botnaro através de uma de suas páginas na internet, a qual ele nos prometeu responder em seu próximo livro, previamente intitulado como “DIÁLOGOS INSUBMISSOS”. Por que ler Messias Botnaro e qual é a urgência que sua obra apresenta e tem a suprir na realidade dos brasileiros?


 

LUCIMAR SIMON, mestre e doutorando em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo, é professor de História nas redes municipais de Vitória (ES) e Vila Velha (ES).

 

Referências


BOTNARO, Messias. A guerra da cloroquina contra o comunavírus chinês. República dos Pampas: Estados Unidos do Sul. Parallel Brasilien Verlag, 2020. Disponível em: <https://www.academia.edu/43760411/A_guerra_da_cloroquina_contra_o_comunav%C3%ADrus_chin%C3%AAs>. Acesso em: fev. 2020.

BOTNARO, Messias. Minha Luta: obra reunida de Messias Botnaro. Vitória: Cousa, 2020.


BOTNARO, Messias. Tuítes póstumos de um herói nacional. Brasil: Alliance for Brazil Press, 2020. Disponível em:


LÍSIAS, R.; NASCIMENTO, G. Diálogo inimaginável sobre a catástrofe brasileira: sátira literária. Revista Odisseia, v. 5, n. Especial, p. 231-246, 20 dez. 2020. Disponível em: <https://periodicos.ufrn.br/odisseia/article/view/23549>. Acesso em: fev. 2020.


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