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EUA e China: a caminho da guerra

Trump acusa a China de criar o novo coronavírus e propagá-lo pelo mundo. A guerra comercial entre EUA e China ganha novo capítulo com o imbróglio relacionado à Huawei. Presidente dos EUA ameaça impor sanções para a entrada de chineses em seu território... Todos esses fatos recentes da pauta dos noticiários são fagulhas para uma guerra entre duas superpotências?

“A ascensão de Atenas e o consequente temor instilado em Esparta tornaram a guerra inevitável.” Essas palavras do historiador grego Tucídides serve como mote para que Graham Allison proponha a questão que aparece no subtítulo de seu livro “A caminho da guerra”: - Os Estados Unidos e a China conseguirão escapar da armadilha de Tucídides ?, lançado pela Intrínseca em setembro.


Graham Allison (1940-), cientista político e professor em Harvard (por mais de cinco décadas), com atuações no governo de Reagan, Bill Clinton e Barack Obama, divide em quatro partes a possível resposta à essa “Armadilha de Tucídides” em que se encontram EUA e China.

Na primeira parte, Graham Allison traça um retrato da ascensão da China nos últimos trinta anos, em que vem se destacando não somente na área econômica, como se sabe, mas também na educação, no desenvolvimento tecnológico e como parceiro global em investimentos em diversos países. Em muitos setores, a China já ultrapassou os EUA. O Banco Asiático, que rivaliza com o Banco Mundial, dominado pelos EUA, e todo o financiamento em infraestrutura para a Nova Rota da Seda são exemplos da posição de liderança chinesa.

A segunda parte (Lições da história), além de reconstruir os motivos que levaram Esparta e Atenas à guerra, conforme narrativa de “História da Guerra do Peloponeso”, de Tucídides, o autor de “A caminho da guerra” apresenta o projeto Armadilha de Tucídides, realizado pela universidade de Harvard, por meio do qual se observam em diversos conflitos dos quatro últimos séculos a “síndrome da potência em ascensão” e a “síndrome da potência dominante”, tal como identificado por Tucídides entre Atenas e Esparta. Muitos desses embates modernos das duas “síndromes” terminaram em guerra. Como exemplo, há um capítulo a esse propósito que demonstra como, na antevéspera de 1914, as faíscas entre Alemanha e Grã-Bretanha, que depois viriam a resultar na 1a Guerra Mundial. De acordo com Churchill, o acirramento entre essas nações provocara uma “correnteza fatal”.

A terceira parte (Uma tempestade iminente) inicia com capítulo em que se recuperam informações históricas sobre o espírito de início do século de Roosevelt e seu afã de avanço na política interna e externa, por um pretensioso “Destino Manifesto” oitocentista. A guerra hispano-americana em 1898 demonstra a força estadunidense ao promover a independência de Cuba e obter da Espanha territórios como o das Filipinas, Guam...Outro exemplo da expansão do poderio norte-americano é a interferência na história de independência do Panamá em 1903. Não se pode colocar de lado nesse quadro as constantes investidas dos EUA no México.

Ainda na parte III, um dos capítulos se dedica a delinear a ascensão do líder chinês Xi Jiping, liderança que alimenta o expansionismo chinês, como o do grande projeto da Nova Rota da Seda, mas também um fortalecimento geopolítico de manutenção de poder na Ásia, além de cuidar para que o Partido Comunista mantenha-se incólume à corrupção e outros desmandos, com o intuito de que não sucumba como a URSS.

Graham Allison analisa em profundidade o choque civilizacional que pode motivar o conflito entre EUA e China, duas culturas e duas civilizações bem diferentes. A China, por exemplo, prepara-se para eventual conflito com a sutileza de seu xadrez, o weiqi.

Em nenhum momento o livro de Allison é alarmista ou catastrofista. A guerra não é de todo inevitável. No capítulo 9, já na última parte do livro, há circunstanciada análise histórica e situacional, em que Allison indica 12 passos para a paz, entre os quais inclui os efeitos colaterais de possível guerra nuclear, sem desconsiderar problemas de ordem cultural e até mesmo as perdas comerciais. Aliado a tudo, no capítulo 10, o último, Graham Allison demonstra uma profícua área os estudos históricos: “a história aplicada”. É na comparação do momento atual com conflitos ocorridos em outras épocas históricas que se pode retirar boas lições para, principalmente, evitar a guerra ou notar qual podem ser seus efeitos e sua extensão.

A obra conta, ao final, com dois apêndices: um reproduz o Dossiê da Armadilha de Tucídides (Harvard) e o outro, o texto “Sete homens de palha”. Além disso, há um vasto índice analítico, além das notas e referências.

A atual corrida presidencial estadunidense entre Trump e Biden pode definir novos rumos para a refrega sino-americana.

No balanço final de um potencial conflito entre China e EUA, olhar para o retrovisor da história permite encontrar significativas pistas e lições para se evitar uma guerra. Uma das últimas epígrafes de Tucídides utilizadas por Graham Allison serve como uma boa reflexão para o desfecho dessa matéria:

“Se minha história for considerada útil por aqueles que desejam um conhecimento exato do passado como ajuda para compreender o futuro — que, no curso dos assuntos humanos, deve se assemelhar a ele, quando não refleti-lo —, dar-me-ei por satisfeito.”

 

GRAHAM, Allison. A caminho da guerra: Estados Unidos e China conseguirão escapar da armadilha de Tucídides? Tradução de Cássio Arantes Leite. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020. 416 p.

 

RAFAEL VOIGT, editor da {voz da literatura}

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