por Ana Luisa Escorel
Cobiçar Antonio Candido como autor implicava, quase sempre, enfrentar dois movimentos diferentes e até certo ponto contraditórios. O primeiro, vinha da resistência à publicação de seus textos. O segundo, diametralmente oposto, da absoluta cordura com que enfrentava as decisões da casa editora no tocante aos aspectos materiais do livro. Ou seja, depois de concordar em trazer os textos a público, assumia um comportamento de extrema docilidade não interferindo nas decisões da editora em nenhum momento do processo de produção, aceitando sem discutir tudo o que se referisse ao aspecto gráfico do livro, mesmo se incomodado com a solução da capa, o nível de transparência do papel ou a escolha dos tipos no miolo. Achava, com razão, não serem setores afeitos a seu juízo, e limitava a interferência ao texto, à correção com que esse texto estivesse reproduzido e, em função disso, era bastante atento ao trabalho dos revisores.
Prosseguindo nessa divagação acerca da maneira com que Antonio Candido lidava com os próprios escritos, no que se refere ao elenco dos títulos de sua autoria publicados em livro, apenas três atenderam a um desejo de contato com o público: Teresina, etc., O discurso e a cidade e O albatroz e o chinês. Todos os outros resultaram de pedidos ou de encomendas de editores. E como ele escrevia incessantemente nos cadernos que o acompanharam desde os dez anos de idade – registrando impressões de leitura, observações acerca do cotidiano do País, da vida familiar e esboços de cursos, entre outras coisas –, tinha sempre à mão farto material que, trabalhado com algum empenho, se transformava em texto publicável. O albatroz e o chinês é um exemplo típico desse expediente, tendo sido extraído inteirinho dos cadernos.
Quando em 1999 nasceu a Ouro sobre Azul – editora que reúne a obra em livro praticamente completa de Antonio Candido – a intenção não era publicá-lo, mas a livros ilustrados em que texto e imagem se equivalessem no tocante ao peso da informação. O que se pretendia era sublinhar a importância da imagem na composição do discurso, num momento em que ela ainda não era devidamente valorizada. Infelizmente, esse caminho se revelou difícil, por conta do alto custo inerente a produções editorias desse tipo.
A alternativa possível, então, foi a editora se voltar para livros de texto na área das ciências humanas, que pareciam atender a uma necessidade real, num país em que as universidades se multiplicavam de alto a baixo. E, nessa categoria, se encontrava a obra em livro de Antonio Candido, naquela altura extremamente dispersa, com vários títulos esgotados e sem perspectiva de reedição.
Constatado esse quadro, a Ouro sobre Azul se dirigiu a ele com a proposta de edição de todos os títulos livres de compromisso com outras editoras. Como de hábito ele colocou algumas dificuldades, hesitou, pediu para pensar, pesou prós, contras e depois de algum tempo acabou concordando.
Assim, de 2004 a 2010, a equipe editorial da Ouro sobre Azul se concentrou em um único autor, consciente da importância de trazer a público o pensamento de um dos intelectuais mais expressivos do Brasil, no século XX, cumprindo integralmente, com isso, o papel reservado ao editor consciente, ou seja, promover o encontro entre uma obra necessária e seu leitor, nos melhores padrões de qualidade a seu alcance.
Na busca desse padrão, a Ouro sobre Azul contou com o próprio Antonio Candido, revisor minucioso de cada um dos originais diagramados, trazendo para alguns livros modificações substanciais, corrigindo e atualizando todos com a precisa concentração que sempre dedicou a seu trabalho.
A Ouro sobre Azul fechou o ciclo das edições assistidas pelo próprio Antonio Candido com Na sala de aula, lançado no ano passado, e Conversa cortada, que acaba de sair. Foram, portanto, 14 anos dedicados a produzir a melhor versão de um conjunto de textos essenciais, no contexto dos estudos literários contemporâneos produzidos por autor brasileiro.
Ana Luisa Escorel é designer, diretora da Ouro Sobre Azul e escritora. Autora do premiado romance Anel de vidro (2014).
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