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SALA DE AULA | Ao professor Eduardo de Assis Duarte, com carinho

por Rafael Balseiro Zin



Durante a graduação em Sociologia e Política, que cursei na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, entre os anos de 2009 e de 2012, diversos temas, assuntos e debates despertaram o meu interesse. Como não poderia deixar de ser, aproveitei esse período de efervescência mental e criativa para dar vazão a uma espécie de laboratório de experimentações. Entre as idas e vindas e os inúmeros exercícios de iniciação intelectual que uma empreitada como essa sugere, aos poucos, fui assentando minha curiosidade e orientando os meus esforços de pesquisa no sentido de compreender um fenômeno bastante singular e que, comumente, é pouco observado pelas ciências sociais: as condições e possibilidades de emergência de escritores negros no Brasil do século XIX, bem como a fruição, a receptividade crítica e o estabelecimento de suas ideias e de seus respectivos textos literários. Refletir acerca das contradições existentes na relação entre ser negro e escritor em uma conjuntura social e econômica de ordem escravagista; composta por uma elite intelectual, política e cultural de maioria branca; e em que boa parte da população era praticamente analfabeta se tornou, para além de uma filiação acadêmica a uma determinada linha de investigação, um objetivo de vida a ser perseguido.


Foi assim que, nos dois anos finais da graduação, iniciei todo um processo de pesquisa, ainda embrionário, que resultou, algum tempo depois, em minha monografia de conclusão de curso, voltada para a compreensão dos aspectos políticos e sociais contidos na vida e obra de Luiz Gonzaga Pinto da Gama (1830-1882), mais conhecido como Luiz Gama, o negro-autor das Primeiras trovas burlescas de Getulino, publicadas, em 1859, na cidade de São Paulo, e que, a despeito de ter sido escritor e de ser considerado, hoje, um dos precursores do abolicionismo no Brasil, além de Patrono da Abolição em nosso país, por muito tempo ficou ausente da história e da historiografia literária nacionais, tendo sido resgatado, com mais cuidado, somente nos últimos vinte anos, a partir de importantes trabalhos de pesquisadoras como Elciene de Azevedo e, principalmente, Ligia Fonseca Ferreira.


Ao longo daquela pesquisa, curiosamente, em meio a algumas leituras direcionadas para o aprofundamento da análise acerca da atuação política e da trajetória intelectual do advogado dos escravos, eis que me deparei com o seguinte excerto de um artigo escrito pelo professor Eduardo de Assis Duarte, da Universidade Federal de Minas Gerais, intitulado Notas sobre a literatura brasileira afrodescendente:


(...) no mesmo ano em que Luiz Gama publicava suas Primeiras trovas burlescas, Maria Firmina dos Reis trazia a público Úrsula. Deste modo, se a literatura afro-brasileira tinha, em 1859, um de seus marcos fundadores, após a redescoberta de Úrsula, passa a ter dois, o que induz a pensar na existência não apenas de um Pai, mas também de uma Mãe.


Admito que, até então, jamais ouvira falar sobre essa escritora e tampouco sobre sua obra pioneira – que é considerada, inclusive, o primeiro romance de autoria negra e feminina da nossa literatura, além do primeiro romance de cunho abolicionista. Contudo, ao tomar conhecimento dessas informações, mesmo que de modo abreviado, fiquei ainda mais intrigado: se a intenção de refletir acerca das contradições existentes na relação entre ser negro e escritor em uma conjuntura política e econômica como a do Brasil dos oitocentos havia se tornado um objetivo de vida a ser perseguido, considerando o fato de ter sido Maria Firmina dos Reis (1822-1917) uma escritora afrodescendente, com atuação no mesmo período de Luiz Gama e com sua obra inaugural publicada no mesmo ano em que a dele, minhas inquietações somente fizeram aguçar a minha curiosidade e o meu interesse em estudá-la. Até porque, para além da questão racial, a novidade que se me apresentava residia em novas contradições.


Dessa maneira, iniciei todo um processo de busca por referenciais teóricos e demais informações que pudessem balizar o meu percurso, criando uma base de sustentação para reflexões mais substantivas. O resultado desse esforço, consequentemente, culminou em minha dissertação de mestrado em Ciências Sociais, defendida em setembro de 2016 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e que recebeu o título de Maria Firmina dos Reis: a trajetória intelectual de uma escritora afrodescendente no Brasil oitocentista. Até hoje, não sei ao certo se o professor Eduardo de Assis Duarte está ciente dessa história. Mas é a ele, e justamente a ele, que eu devo a inspiração para essa pesquisa e a quem eu ofereço todo o meu carinho e os meus mais sinceros agradecimentos.



 

Rafael Balseiro Zin é doutorando em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pesquisador do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (Neamp).

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