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Manoel de Barros e Paulo Leminski na travessia entre palavra e imagem




Manoel de Barros chama palavra de iluminura e reinventa encontros de objetos ou de palavras desgastadas de tanta repetição para uso de berçário verbal. Assim, aquilo que é corriqueiro e já detido em sua usualidade conceitual é “desvista” – para usar um termo bem barriano – e fecundada para novos florescimentos. A palavra se renova na imagem, é talvez a própria imagem. Então, poesia como “ocupação da palavra pela Imagem” (Poesia completa, 2010, p. 263) – como nos diz um de seus poemas – e da imagem pelo ser instaura um lugar de imbricação no qual limites são revistos e reinventados, pondo-se o próprio limite como questão fertilizadora de devires, uma vez que esse não lugar nos conduz à instabilidade necessária para onde não há projetos acabados, mas, tão somente, o vazio, o nada enquanto contínua possibilidade de renovações.


Leminski, por sua vez, usa a imagem no poema, promove invenções e colagens, de tal modo que o resultado não é mera realocação de figuras, e sim um tipo singular de percepção poemática. Podemos atribuir esse fato ao envolvimento dele com a poesia concreta, principalmente nas décadas de 1960 e 1970, mas embora seja um dado importante, mais do que isso, a palavra ganha encantos que extrapolam a dimensão sígnica da construção gráfica. No poema “Kamiquase” (Toda poesia, 2013, p. 152), por exemplo, podemos perceber uma concentração de mundo e realidade, pois na potência do “quase”, ou seja, do que exerce tensão, que é liminar e habita o entrecaminho de lugares demarcados, a história do poeta, seu olhar para as coisas, se reúnem. No referido poema, vemos um brasileiro de descendência polonesa com afeição pela cultura japonesa e que tem no liminar seu lugar criativo; e o seu título reforça a ideia-limite de um quase nipônico. Além do que é evidente, o “quase” está bastante presente na poética leminskiana.


Palavra e imagem habitam este “quase”, fomentam entrelugares. São questões que se intimizam e que têm grande presença nas criações do poeta do Pantanal mato-grossense e do curitibano, de tal modo que podemos desdobrá-las nas seguintes provocações: onde a imagem interfere? Quando a palavra é imagem (se é que há um “quando”)? E como se dá essa viragem? Daí que o “onde”, o “quando” e o “como” instalam as instâncias de lugar, tempo e aparência que serão desenvolvidas enquanto travessias nos escritos desses poetas. Sobre imagem, Manoel de Barros é categórico: “Acho que a língua da poesia é a da imagem. [...] Poeta não precisa de informar sobre o mundo. Poeta precisa de inventar outro mundo. E o instrumento para inventar outro mundo é a imagem, a metáfora e outros descomportamentos linguísticos” (Poesia completa, 2010, p. 149).


Questionamos a palavra nas produções leminskiana e barriana no intuito de tentar montar um esboço de como a palavra se reinventa em suas poéticas. Para se produzir tal intento, achamos ser necessário cogitar a palavra como questão, em sua abertura ao movimento de encobrimento para o que se manifesta, em íntimo diálogo com a verdade – aletheia –, segundo o pensamento grego. É também interessante acompanhar o seu devir nos intercâmbios de seus sentidos e aceitar o convite ao “salto mortale”, tal como diz o conto “O espelho”, de Guimarães Rosa. Já que não é possível abarcar todas as vias, seguimos pela referência da hermenêutica poética, numa tentativa de nos deixarmos atravessar por desvios e sermos também seus envios. Todas as possibilidades são rotas para um futuro incerto, e acreditamos que o importante é a viagem, o meio do caminho onde o lugar se manifesta e se funda na liminaridade de existências, que aqui são muitas: a nossa, a da palavra em sua dimensão poética, a dos pensadores, críticos, poetas que compuseram o arcabouço palavral-imagético de Manoel de Barros e Paulo Leminski.



 

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