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Zbigniew Herbert: um bárbaro no jardim


por Rafael Voigt


Czesław Miłosz, Wisława Szymborska e Zbigniew Herbert são três dos principais poetas poloneses do século 20.


Miłosz e Szymborska foram agraciados com o Prêmio Nobel de Literatura. E são relativamente bem conhecidos no Brasil, especialmente Szymborska.


Não mais, coletânea de poemas de Czesław Miłosz, publicado pela Editora UnB em 2003, conta com tradução direta do polonês realizada por Henryk Siewierski (Universidade de Brasília) e Marcelo Paiva de Souza (Universidade Federal do Paraná).


Regina Przybycien traduziu duas coletâneas de poemas de Szymborska: Poemas (2011) e Um amor feliz (2016). No último mês, a editora Âyiné lançou Riminhas para crianças grandes, traduzido por Piotr Kilanowski.


Por sua vez, Zbigniew Herbert conta com alguns poemas traduzidos de forma esparsa em coletâneas ou periódicos literários, como o poema “Ao rio” (reproduzido ao final), em tradução da poeta Ana Cristina César e de Grazyna Drabik, na extinta revista Aproximações (Brasília/Lisboa/Cracóvia) em 1988.






Além desse poema, outros sete de Herbert encontram-se na revista Poesia Sempre, da Biblioteca Nacional, em seu número 30 de dez anos atrás. A revista Poesia Sempre resgata obras raras, como Quatro poetas poloneses (Czesław Miłosz, Zbigniew Herbert, Tadeusz Rózewicz e Wisława Szymborska), publicada em 1994 por Henryk Siewierski e Santiago Naud, bem como Poesia alheia: 124 poemas traduzidos, de Nelson Ascher (Imago, 1998).


Um bárbaro no jardim, de Zbigniew Herbert, é a primeira obra completa do poeta a ser traduzida no Brasil. A tradução ficou a cargo de Henryk Siewierski, professor de teoria literária e tradução da Universidade de Brasília, um dos tradutores pioneiros da literatura polonesa em nosso país. O professor Siewierski deve ser ainda lembrado por História da literatura polonesa (Ed. UnB, 2000), importante livro para se descobrir a milenar história da literatura da Polônia.



UM BÁRBARO NO JARDIM | Zbigniew Herbert | Trad. Henryk Siewierski | Editora Âyiné | 2018


“A tradução de um livro que é ao mesmo tempo um relato de viagem e um ensaio sobre obras de arte, catedrais, assim como os acontecimentos históricos nos lugares visitados, retratados e narrados numa linguagem que lembra, às vezes, guia turístico, às vezes artigo especializado, mas sempre encrustada com recursos poéticos, surpreendentes e ousados, foi para mim uma experiência bem interessante e desafiadora, sobretudo como busca de um registro estilístico capaz de envolver o leitor naquelas viagens pelos jardins da arte e história do mundo ocidental", reflete o tradutor Henryk Siewierski sobre o processo de tradução da obra de Zbigniew Herbert.


Curiosamente, em Um bárbaro no jardim, não estamos diante da lírica de Zbigniew Herbert. À primeira vista, Herbert parece guiar o leitor pela narrativa de viagens empreendidas por ele ao longo dos anos. Contudo, não há qualquer marcação de data das visitas aos lugares mencionados. Os locais narrados servem como pretexto para que o autor, sem qualquer laivo de “academicismo", faça o leitor penetrar em aspectos históricos, culturais e artísticos, que cercam localidades como Lascaux na França e as pinturas “pré-históricas”, a história medieval de Siena ou a terra natal do pintor italiano Piero della Francesca. E nisso temos um Zbigniew Herbert mais próximo do ensaísta, sem perder o interesse pelo sabor de poesia que cabe no mundo de lugares entre a França e a Itália.


Segundo Henryk Siewierski, não se pode esquecer que as viagens, os lugares e os fatos históricos servem de matéria-prima para o horizonte poético de Herbert. “A poesia de Zbigniew Herbert nutre-se das viagens de exploração da história, do mito, da arte, mas geralmente para enfrentar os problemas éticos, dilemas, ameaças do mundo contemporâneo, em particular daquele mundo em que vive, no centro inquieto da Europa, marcado pelas tempestades da história", explica.


A editora Âyine promete para 2019 a publicação da poesia completa de Zbigniew Herbert, em tradução de Piotr Kilonowski. É esperar esta oportunidade de empreender outra viagem: por dentro dos versos desse poeta polonês que promete conquistar os leitores brasileiros.



 

AO RIO

Zbigniew Herbert //Tradução: Ana Cristina César e Grazyna Drabik


Ó rio – clepsidra de água metáfora da eternidade

entro em ti cada vez tão diferente

que poderia ser nuvem peixe ou rocha

e tu és imutável como o relógio que marca

as metamorfoses do corpo e as quedas do espírito

a lenta decomposição dos tecidos e do amor


eu nascido do barro

quero ser teu aluno

e conhecer a fonte o coração olímpico

ó tocha fresca coluna cantante

rochedo da minha fé e do desespero


ensina-me ó rio a ser teimoso e persistente

para que mereça na última hora

repouso na sombra do delta imenso

no sagrado triângulo do princípio e do fim




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