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Autorretrato de Oswald de Andrade | Memorial da Literatura

Atualizado: 6 de mai.



{} Na edição de maio de 1943 da revista Leitura, a seção “Auto Retrato” reproduz uma pequena autobiografia de Oswald de Andrade (1890-1954). {}



 

Autorretrato: Oswald de Andrade visto por Oswald de Andrade


Nasci em São Paulo, na atual Avenida Ipiranga, n.º 5 (primitivo), ao meio-dia de 11 de janeiro de 1890. Sou bacharel em Ciências e Letras e bacharel em Direito.

 

O meu tipo psicológico é segundo uma classificação toda minha, pedagógico. Gosto de propor os meus pontos de vista, ensinar o que sei, ainda que errado, e intervir mesmo no que não sei.

 

Sou sentimental, inquieto e agrário. Talvez por isso tivesse me casado e divorciado diversas vezes. Esse "agrário" é complexo. Ocasionalmente fui plantador de café, tendo sofrido na pele, a alta de 26 e a quebra de 29. Mas originariamente, sou agrário de Portugal e Espanha, com escalas pelo norte da África (Mazagão), Amazonas e Pará (Óbidos) e Minas Gerais. Do lado paterno, sou 5º neto do bandeirante paulista Tomé Rodrigues Nogueira do Ó, fundador de Baependi.

 

Ainda sob o aspecto psicológico, faço fiado facilmente. Quero dizer que tenho a fé abundante. Cheguei a acreditar até em banqueiros. Como reação, posso atingir o cinismo, nunca o ceticismo. Este traria num tipo como o meu, o suicídio. Na solidão, sou soturno e amlético. Em público, afirmativo e solar. Briguei diversas vezes à portuguesa. Tomei parte em alguns conflitos públicos, dois quando dirigia o jornal "O homem do Povo", em 1931. Estive preso e foragido muitas vezes. Enfrentei duas vaias, a da "Semana de Arte Moderna" no Teatro Municipal de São Paulo e a do Congresso da Lavoura, em 1929. Esta última foi provocada porque propus que os latifundiários paulistas dividissem os lucros da terra. A mesa pediu a minha expulsão da Assembleia.

 

Fui preguiçosamente esportivo, pratiquei o futebol, a natação e o boxe.

 

Supersticioso e religioso de formação, nunca perdi essas taras, mesmo adotando um credo materialista.

 

Tenho poucos amigos e numerosos inimigos. Sou mais amigo da verdade do que de Plauto. Principalmente quando Plauto é canalha e a verdade gozada.

 

Realizei doze travessias para a Europa. Conheci o Oriente próximo, Atenas, Constantinopla, a Palestina e o Egito. Conheço bem meu Estado, e um pouco do Brasil de Santa Catarina a Pernambuco e Mato Grosso. Fiz duas conferências, uma na Sorbonne, que era Universidade de Paris, e outra em S. Paulo, no Sindicato dos Padeiros, Confeiteiros e Anexos. Morei quase sempre em São Paulo, na capital, como no interior e no litoral. Morei também no Rio de Janeiro e em Paris. Em palácios, ranchos e cortiços, grandes hotéis e quartos modestos.

 

Literariamente, minha carreira foi tumultuosa. Pode-se dizer que se iniciou com a Semana de Arte Moderna, em 1922. Publiquei então "Os Condenados" e "Memórias Sentimentais de João Miramar”. Descobri o poeta Mário de Andrade, do que muito me honro. Iniciei o movimento "Pau Brasil”, que trouxe à nossa poesia e à nossa pintura a sua latitude exata. Daí passei ao movimento antropofágico que ofereceu no Brasil dois presentes régios: "Macunaíma", de Mário de Andrade e "Cobra Norato" de Raul Bopp. O divisor das águas de 1930 me jogou para o lado esquerdo, onde me tenho conservado com inteira consciência e inteira razão.

 

Estou atualmente trabalhando no meu romance cíclico "Marco Zero", em cinco volumes. O primeiro intitulado "A revolução melancólica", fixa о соmeço da nova era que se abriu para o Brasil, abrangendo episódios do movimento armado de 32. Foi entregue ao editor José Olímpio. Também estou voltando a poesia. Tenho o primeiro poema de um livro, poema que dediquei à Maria Antonieta d'Alkmin, com quem vou me casar.





 

Fonte

REVISTA LEITURA [RJ, 1942-1968]. Ano 1943, Edição 004, p. 13. Disponível na Hemeroteca Digital Brasileira, Fundação Biblioteca Nacional.

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Todos os direitos reservados aos herdeiros de Oswald de Andrade.

 

Projeto Memorial da Literatura. Revista Voz da Literatura. Maio de 2024. Notas, transcrição e revisão: Rafael Voigt Leandro.


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