MAURÍCIO SILVA
{Pós-doutor em Letras pela USP e Professor na Universidade Nove de Julho.}
Dizem os especialistas que o vocábulo rato tem origem etimológica desconhecida, embora já se tivesse manifestado desde o século XIV. O que talvez nem todos os filólogos e lexicógrafos sabem é que com Dyonélio Machado, tal vocábulo adquiriu, sem dúvida alguma, uma nova conotação, uma acepção existencial, no sentido que, para o escritor gaúcho, o homem é o rato.
Em um dos romances mais importantes da segunda geração modernista brasileira - Os ratos (1935) -, Dyonélio Machado revela-nos a mais ínfima condição humana, que se dá, entre outras coisas, pela exploração e pela opressão, aproximando dois seres tão distantes. E um intermediário relevante, nessa equação que parece não fechar, não pode ser esquecido: o dinheiro, "mediador" das conquistas e das falências humanas, por meio do qual um indivíduo decai ao mais sórdido e humilhante grau da miséria social e existencial.
A busca pelo dinheiro, portanto, torna-se, desde o início, tema recorrente do romance: durante todo o desenrolar da história, Naziazeno, o protagonista, percorre uma verdadeira via crucis à procura de recursos para saldar a dívida com o leiteiro, recorrendo ao diretor da empresa em que trabalha; a Andrade e Mister Rees, via Alcides; ao Doutor Otávio Conti (dinheiro para o almoço); ao cassino clandestino; e a muitos outros expedientes, culminando com a tentativa de venda do anel de Alcides, o que torna essa sua perigrinatio mundana absurdamente angustiante, quase surrealista.
Mais psicológico do que social, Os Ratos revela-nos o drama existencial de um pobre funcionário de uma repartição qualquer em busca de recursos para o sustento da família. Empregando o fluxo de consciência e o monólogo interior, é um romance de introspecção, tal como seria Graciliano Ramos, antes, e Clarice Lispector, depois. Sobretudo, introspectivo. Porque Naziazeno é perseguido por sua própria mente, que reproduz - de forma constante e ameaçadora - a figura fantasmagórica do leiteiro.
O resultado de semelhante condição é flagrante: angústia e, principalmente, solidão. Solidão diante de um mundo habitado por seres preocupados apenas consigo mesmo, excessivamente individualistas, o que obriga Naziazeno a um constante exercício de introspecção, até atingir a condição mais solitária: "E pela segunda vez, nessa manhã, a impressão da solidão, do abandono...", diz o protagonista em passagem agônica.
Trata-se, sem dúvida nenhuma, de uma romance marcado para preencher um espaço distinto na nossa historiografia literária. Um espaço, contudo, em que não cabe nenhum outro romance do autor, já que se trata de uma obra que destoa, em muitos sentidos, de seu romance imediatamente posterior, O Louco de Cati (1942), romance mais cerebral e de linguagem pouco fluida. De qualquer maneira, os supostos "defeitos" verificados neste outro romance não retira de seu autor o lugar conquistado na literatura nacional, com uma obra insuperável e que já assinala nossa história literária como um marco de originalidade e criatividade artísticas.
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