por Maria Amélia Dalvi
É comum, quando estou fora do Espírito Santo, que as pessoas ao me descobrirem capixaba falem: “Não sei nada sobre o Espírito Santo! Vocês são o Acre do Sudeste?”. Não; o Acre tem os memes de Internet, para o bem e o mal do preconceito e da arrogância dos que estão nos eixos hegemônicos do país. No nosso caso, nem os memes – e esse é nosso charme. Por isso comento, entre melancólica e secretamente debochada, quando alguém dá indícios de não lembrar direito onde coubemos no mapa do Brasil: “O Espírito Santo é aquele estado que serve para separar o Rio de Janeiro da Bahia”. Toda essa situação tem relação com nossa história político-econômica – da colonização por um capitão falido à disparidade de forças com os vizinhos poderosos. Tratado como “primo pobre” da família, vamos vivendo nossa vida, parindo vez ou outra um Carlinhos Oliveira, uma Elisa Lucinda, uma Nara Leão, um Rubem Braga, um Sérgio Sampaio, um Waldo Motta.
Faço essas considerações para dizer que, havendo uma íntima relação entre Literatura & Sociedade, a dinâmica literária capixaba ressente-se de certo ostracismo na correlação com o restante do país. Infelizmente, os editais públicos de premiação e publicação de obras literárias (Prêmios Edufes e Secult, Lei Rubem Braga etc.) não estão satisfatoriamente articulados à “vida literária” nacional, de modo a assegurar um circuito de publicação, crítica, difusão conectado aos grandes veículos e aos espaços de maior prestígio. No entanto, a realidade é dinâmica e pujante, para quem sabe ver miudeza: editoras e editores atuantes, prêmios disputadíssimos com jurados de renome, eventos devotados à produção local, uma “fortuna crítica” de qualidade, um Núcleo de Estudos e Pesquisas da Literatura do Espírito Santo com mais de 25 anos de atuação.
Há uma discussão, bastante polarizada, sobre a existência ou não de uma “Literatura Capixaba” ou uma “Literatura do Espírito Santo”. De um lado, os que defendem que as expressões soam como provincianismos (e, em geral, preferem falar em uma “Literatura Brasileira feita no Espírito Santo”) e, de outro, os que defendem que, sem pautarmos nossa especificidade, “desaparecemos” no cenário nacional. Outra polêmica é sobre quem seria o autor capixaba: o nascido, o residente, o que pauta realidades locais? Nesse sentido, há perene desconforto: podemos reivindicar a produção de autores nascidos aqui, mas que alçaram voo fora e não fizeram nenhuma questão de remeter às suas origens? Podemos colher o quinhão de glória de autores que, não tendo nascido no Espírito Santo, desenvolveram a maior parte de suas carreiras literárias nestas bandas? Se parecem bobagens para quem não precisa falar em literatura carioca ou literatura paulistana, para nós, situados e sitiados entre Minas e o mar, essas são pautas quentes.
Indo, pois, ao ponto que interessa, apresento uma seleção pessoal de indicações de autores e obras que considero imperdíveis. Infelizmente, o espaço é restrito – e terei que deixar de fora nomes que considero fundamentais. Para tentar dar alguma lógica às minhas escolhas, privilegiei autores contemporâneos e que foram premiados por júris especializados. Outro critério, claro, foi: o que eu li e gostei.
Na poesia, penso que o leitor destas minhas linhas não pode ignorar a produção de: Alex Moraes, Bith, Caê Guimarães, Casé Lontra Marques, Danilo Ferraz, Deny Gomes, Douglas Salomão, Fernando Achiamé, Jorge Elias Neto, Jorge Verly, Josely Bittencourt, Lino Machado, Lucas dos Passos, Miguel Marvilla, Paulo Roberto Sodré, Raimundo Carvalho, Renata Bomfim, Rodrigo Leite Caldeira, Sérgio Blank, Suely Bispo, Waldo Motta. Já na prosa (conto, crônica, romance), penso que o leitor precisa conhecer: Adilson Villaça, Aline Prúcoli, Ana Laura Nahas, Andréia Delmaschio, Antônio Rocha Neto, Bernadette Lyra, Fernando Tatagiba, Luís Guilherme Santos Neves, Herbert Farias, Luís Eustáquio Soares, Mara Coradello, Reinaldo Santos Neves, Sarah Vervloet, Saulo Ribeiro, Tiago Zanoli, Wolmyr Alcântara. Na dramaturgia, penso que o leitor precisa ler: Alê Bertoli, Fernando Marques, Nieve Mattos, Paulo de Paula. Por fim, na literatura infantil e juvenil, recomendo: Andréia Delmaschio, Francisco Aurelio Ribeiro, Paulo Roberto Sodré, Silvana Pinheiro.
Há, certamente, a dificuldade de nossos escritores e suas obras se fazerem acessíveis ao grande público – por isso, para quem quer começar, sugiro uma breve visita à página da editora Cousa, que, salvo engano, na atualidade, é a editora que tem publicado a maior parte dos melhores escritores do estado. Outra opção é iniciar-se pelas obras de, por exemplo, Reinaldo Santos Neves, publicadas pela Bertrand Brasil; ou de Waldo Motta, publicado pela Editora da Unicamp; ou de Bith, publicado pela editora Patuá – e assim sucessivamente. Bom, eu mesma estou com meu primeiro livro de poemas no prelo. Mas aí, descontado o cabotinismo, é mote para outra conversa.
{n. 4 | agosto | 2018}
{MARIA AMÉLIA DALVI é professora de literatura na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)}
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