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POESIA | Narcisa Amália


Nebulosas {1872} | Narcisa Amália | Gradiva Editorial; Fundação Biblioteca Nacional 2017 | {2ª edição} 189 p.

O AFRICANO E O POETA

Ao Dr. Celso de Magalhães

Les esclaves... Est-ce qu’ils ont des dieux?

Est-ce qu’ils ont des fils, eux qui n’ont point d’aieux?

Lamartine


No canto tristonho

Do pobre cativo

Que elevo furtivo,

Da lua ao clarão;

Na lágrima ardente

Que escalda-me o rosto,

De imenso desgosto

Silente expressão;


Quem pensa? – O poeta

Que os carmes sentidos

Concerta aos gemidos

De seu coração.


- Deixei bem criança

Meu pátrio valado,

Meu ninho embalado

Da Líbia no ardor;

Mas esta saudade

Que em túmido anseio

Lacera-me o seio

Sulcado de dor,

Quem sente? – O poeta

Que o elísio descerra;

Que vive na terra

De místico amor!


- Roubaram-me feros

A férvidos braços;

Em rígidos laços

Sulquei vasto mar;

Mas este queixume

Do triste mendigo,

Sem pai, sem abrigo,

Quem quer escutar?...


- Quem quer? O poeta

Que os térreos mistérios

Aos paços sidéreos

Deseja elevar.


- Mais tarde entre as brenhas

Reguei mil searas

Co’as bagas amaras

Do pranto revel;

Das matas caíram

Cem troncos, mil galhos;

Mas esses trabalhos

Do braço novel,


Quem vê? – O poeta

Que expira em arpejos

Aos lúgubres beijos

Da fome cruel!


- Depois, o castigo

Cruento, maldito,

Caiu no proscrito

Que o simun crestou;

Coberto de chagas,

Sem lar, sem amigos,

Só tendo inimigos...

Quem há como eu sou?!...


- Quem há?... O poeta

Que a chama divina

Que o orbe ilumina

Na fronte encerrou!...


- Meu Deus! ao precito

Sem crenças na vida,

Sem pátria querida,

Só resta tombar!

Mas... quem uma prece

Na campa do escravo

Que outrora foi bravo

Triste há de rezar?!...


- Quem há-de?... O poeta

Que a lousa obscura,

Com lágrima pura

Vai sempre orvalhar?!


{n. 4 | agosto | 2018}



 

NARCISA AMÁLIA {São João da Barra - RJ, 1852– Rio de Janeiro-RJ, 1924} foi poeta, escritora e tradutora. Uma das primeiras mulheres a atuar profissionalmente na imprensa brasileira. Publicou em jornais como A República, O Fluminense, Correio do Povo, Correio Fluminense, entre outros. Publicou o livro de poema Nebulosas pela Editora Garnier em 1872.

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