Anália Franco: "Impressões do Natal"
- {voz da literatura}
- 15 de dez. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 17 de dez. de 2020
Vem chegando o Natal de 2020 e com ele a revista {voz da literatura} lançará o e-book Natal brasileiro em prosa: 1854-1932, antologia que reúne 20 autores, entre eles: Anália Franco. A seguir, publicamos o capítulo do livro reservado a essa autora.
1888
A escritora, jornalista e educadora Anália Franco (RJ, 1853 - SP, 1919) participou ativamente do jornal literário A família (RJ, 1888-1898), dirigido por Josefina Álvares de Azevedo, periódico cuja força e importância reside no fato de ser publicação de destacada atuação feminista, abrigando respeitáveis escritoras desse período. O texto “Impressões do Natal” foi publicado em 22 de dezembro de 1888. Contém uma crítica à desvirtuação do sentido real da festa natalina e é atravessado de um tom saudosista sobre as festas durante a infância da autora.

Impressões do Natal
Por entre as poéticas e graciosas festividades populares que tanto nos falam ao coração, sobressai o Natal, a festa dos espíritos simples e retos, a festa das mães e das crianças.
Há quase mil e novecentos anos, que junto ao fúnebre monumento de Rachel, nasceu pobre e desconhecido num estábulo de Belém, aquele que devia presidir, mais tarde, o destino do mundo, iluminando-o e aperfeiçoando-o com a luz radiosa de sua sublime filosofia. Infelizmente, porém, ao passo que a sociedade se eleva ao maior grau de civilização, vão rareando os lugares em que as deliciosas e pitorescas traduções dos nossos avós se não apagaram de todo, perdendo, pouco a pouco, o seu caráter essencialmente nacional.
E, assim, a festa do Natal com a clássica Missa do Galo e os seus devotos presépios armados com tanto gosto já não têm, em muitas das nossas cidades, a sua poética originalidade.
Destituídas do caráter pitoresco, estas festividades vão perdendo a sua primitiva importância, e não inspiram mais ao povo, esse sentimento religioso profundo, que a fé intensa tornava outrora tão viva, tão sincera.
“Fatal condição do progresso humano”, diz um escritor notável. “Será, pois, uma lei da natureza, que cada passo no caminho dos melhoramentos sociais e do aperfeiçoamento intelectual, tenha de ser comprado à custa dum abaixamento do nível moral e poético de originalidade e de verdadeiro gênio! Pungente revelação que envolve um grande problema filosófico.”
Vivendo por alguns anos em uma civilização um tanto diversa, apenas conservava desta festividade, que entrevira não minha infância, a lembrança que me ficará como uma dessas vistas luminosas esplêndidas que se não podem descrever, porém que se estampam na mente para nunca mais se apagarem.
Entretanto quando ouvi ruído da exuberante alegria deste bom povo, que com os festivos sons metálicos dos foguetes e girândolas, anunciava às nuvens do céu o nascimento do Redentor do mundo, experimentei (eu o confesso francamente) a mais agradável surpresa, a mais intraduzível comoção. Senti aureolar-se em torno de mim, como que uma voz suave e doce evocando as lembranças inefáveis do passado, nessa época florida, tranquila e deliciosa da infância, sob o perfumado bafejo do lar paterno.
Oh! como tive então saudades daquela alegria tão franca, em que com o espírito perfeitamente desprendido de cuidados e inquietações, enuncia tudo esplêndido e brilhante como uma primavera sempre luminosa!
O céu me parecia mais limpidamente azul, constelando de astros mais resplandecentes.
A noite tinha para mim reflexos de aurora, e o dia harmonia dulcíssimas.
A flor mais vulgar que matizava os campos, as vividas rosas que esmaltavam os jardins, inebriando-me com os seus deliciosos aromas, os insetos multicores, os alados cantores que iriavam a plumagem ao mais esplêndido sol; tudo enfim na natureza, parecia entornar a flux [sic] torrentes de luz e harmonia.
Nessa época em que o coração se expande a tudo quanto é belo e grande, em que se confia em tudo, sente-se uma verdadeira sensação de entusiasmo para tudo quanto nos sorri, e a cada criatura formosa que encontramos, cremos serem os anjos que a Providência envia do céu à terra, para acrisolarem a nossa fé, falando-nos dum mundo ideal, povoado de querubins risonhos, de aparições luminosas, e repleto de delícias infindas.
Oh! doces e belos tempos com que emoções sempre vivas, sempre novas, eu não contemplava os presépios da minha terra, tão cheios de inesperados encantos para o meu coração juvenil?! Riam-se muito embora os sectários da filosofia materialista, das escolas satânicas e ultrarrealistas, que suave poesia da crença consoladora, as doces puerilidades de infância, hão de aureolar sempre com todos os seus prestígios sedutores, as frontes cândidas das crianças, iluminando-lhes os seus mais belos e felizes dias; e para a alma que sonha e crê ainda que abalada pelos dolorosos atritos duma existência repleta de vicissitudes e contradições esmagadoras, as suas festividades religiosas, tão cheia de sentimentos profundos na sua simplicidade, têm o poder de encadear-lhe docemente o espírito, desprendendo-o das preocupações terrenas para elevá-lo às regiões ignotas do mistério, a extasiar-se por instantes na contemplação da divindade!
Taubaté [SP]
ANÁLIA FRANCO.

- Natal brasileiro em prosa: 1854-1932. - Organização, notas e apresentação: Rafael Voigt Leandro.
- Edições Voz da Literatura, 2020.
- ISBN: 978-65-00-14098-9.
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